quarta-feira, 5 de junho de 2013

8:30 – 9:00


Entre as oito e meia e as nove horas da manhã, seja nas movimentadas e esfumaçadas paragens na Place Hamilius, seja nas arejadas e arrojadas paragens na abside do Plateau de Kirchberg, nesses trinta minutos de copiosos desembarques, é que é vê-los a rumarem às oficinas onde se arranja a massa, às carpintarias onde se carpinteja o tostão, aos laboratórios onde se sintetiza o carcanhol, às lavouras onde se cultiva o cacau, às fundições onde se funde a guita, às escolas onde se ensina o money, às clínicas onde se trata a grana. É que é vê-los, esses macacos enfiados em fatos-homens, esses empregados de magistrais larápios, esses lavadeiros, hábeis lavadeiros, a rumarem aos lavadouros onde se lava o dinheiro sujo: dinheiro sujo de crimes limpos, dinheiro sujo de limpezas bem sucedidas.
Entre as oito e meia e as nove horas da manhã, depois de passarem por nós, esses condecorados com coloridas tiras de seda, esses colaboradores das potestades da finança, engolfam-se num outro mundo: um mundo apinhado de fabulosos parques de diversão onde se brinca constantemente com dinheiro. Há também casinos, soberbos casinos onde se apostam diariamente fortunas, que, depois de tratadas por manápulas detentoras de sortilégios de Rei Midas, são por conseguinte generosamente distribuídas por todos – todos os magistrais larápios, obviamente.
Entre as oito e meia e as nove horas da manhã, depois de passarem por nós, estes enfatiotados, pardacentemente enfatiotados, de mala na mão, sacola que contém as ferramentas da ganância e o farnel com que nutrem a usurpação, entram em minúsculas bolsas de valores, minúsculas apenas no tamanho, e investem o sofrimento, a dor, a infelicidade e a fome de milhares de mulheres, homens e crianças.
Entre as oito e meia e as nove horas da manhã, assiste-se no Luxemburgo ao inominável desfile destes seres grotescos e anatomicamente diferentes – em lugar de trazerem o coração no tórax, trazem-no na algibeira da fatiota.
 Neste país, onde proceder destarte é considerado sensato, útil, importante, e ademais demonstra competitividade, desenvolvimento e competência (ou não fosse o Luxemburgo um gabarolas que, quando lhe convém, adora emoldurar o chorudo número da estatística e exibi-lo na cena internacional – o seu PIB, essa valiosa tela, é um conspícuo exemplo), estes seres são tidos em alto apreço mesmo pela classe política, visto que sem eles não haveria quem lubrificasse as entrosas, quem substituísse os parafusos e as correias dos mecanismos que sustêm este paraíso, isto falando em termos fiscais, evidentemente. Tudo isto, à luz daquilo que não logramos compreender, é naturalmente compreensível. As fontes não são só úteis a quem procura saciar a sede.

Entre esses trinta minutos que separam as oito e meia das nove horas, assiste-se no Luxemburgo à breve transumância destas ovelhas negras, que de chocalhos silenciosos ao pescoço e orientadas por ausentes mas bem presentes pastores se dirigem para os respectivos estábulos. Nós, que amiúde passamos por elas, estas ovelhas negras, limitamo-nos a olhar para elas como quem não olha, não sabe ou não quer olhar. 

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