Entre
as oito e meia e as nove horas da manhã, seja nas movimentadas e esfumaçadas
paragens na Place Hamilius, seja nas arejadas e arrojadas paragens na abside do
Plateau de Kirchberg, nesses trinta minutos de copiosos desembarques, é que é
vê-los a rumarem às oficinas onde se arranja a massa, às carpintarias onde se
carpinteja o tostão, aos laboratórios onde se sintetiza o carcanhol, às
lavouras onde se cultiva o cacau, às fundições onde se funde a guita, às
escolas onde se ensina o money, às clínicas onde se trata a grana. É que é
vê-los, esses macacos enfiados em fatos-homens, esses empregados de magistrais
larápios, esses lavadeiros, hábeis lavadeiros, a rumarem aos lavadouros onde se
lava o dinheiro sujo: dinheiro sujo de crimes limpos, dinheiro sujo de limpezas
bem sucedidas.
Entre
as oito e meia e as nove horas da manhã, depois de passarem por nós, esses
condecorados com coloridas tiras de seda, esses colaboradores das potestades da
finança, engolfam-se num outro mundo: um mundo apinhado de fabulosos parques de
diversão onde se brinca constantemente com dinheiro. Há também casinos,
soberbos casinos onde se apostam diariamente fortunas, que, depois de tratadas
por manápulas detentoras de sortilégios de Rei Midas, são por conseguinte generosamente
distribuídas por todos – todos os magistrais larápios, obviamente.
Entre
as oito e meia e as nove horas da manhã, depois de passarem por nós, estes
enfatiotados, pardacentemente enfatiotados, de mala na mão, sacola que contém
as ferramentas da ganância e o farnel com que nutrem a usurpação, entram em
minúsculas bolsas de valores, minúsculas apenas no tamanho, e investem o
sofrimento, a dor, a infelicidade e a fome de milhares de mulheres, homens e
crianças.
Entre
as oito e meia e as nove horas da manhã, assiste-se no Luxemburgo ao inominável
desfile destes seres grotescos e anatomicamente diferentes – em lugar de trazerem
o coração no tórax, trazem-no na algibeira da fatiota.
Neste país, onde proceder destarte é
considerado sensato, útil, importante, e ademais demonstra competitividade, desenvolvimento
e competência (ou não fosse o Luxemburgo um gabarolas que, quando lhe convém,
adora emoldurar o chorudo número da estatística e exibi-lo na cena
internacional – o seu PIB, essa valiosa tela, é um conspícuo exemplo), estes
seres são tidos em alto apreço mesmo pela classe política, visto que sem eles
não haveria quem lubrificasse as entrosas, quem substituísse os parafusos e as
correias dos mecanismos que sustêm este paraíso, isto falando em termos
fiscais, evidentemente. Tudo isto, à luz daquilo que não logramos compreender,
é naturalmente compreensível. As fontes não são só úteis a quem procura saciar
a sede.
Entre
esses trinta minutos que separam as oito e meia das nove horas, assiste-se no Luxemburgo
à breve transumância destas ovelhas negras, que de chocalhos silenciosos ao
pescoço e orientadas por ausentes mas bem presentes pastores se dirigem para os
respectivos estábulos. Nós, que amiúde passamos por elas, estas ovelhas negras,
limitamo-nos a olhar para elas como quem não olha, não sabe ou não quer olhar.
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