Como
sempre costumo fazer em casos tais, peguei num molho de folhas, num lápis bem
afiado e lancei mãos à obra. Durante quatro horas rabisquei, rabisquei,
amarrotei folhas, vi sucederem-se frases, longos parágrafos. Quando se trata da
política nacional, o meu cérebro é prodigo em opiniões, todavia, quando se
trata especificamente dos nossos governantes, essa prodigalidade transforma-se
em excedente opinativo, tal é a incomensurável quantidade de palavreado que me
ocorre. Esta a explicação por que ao fim de uma hora tinha já ante mim sete
páginas.
Decidi fazer uma pausa. Para lubrificar os
neurónios, bebi um Porto, algo que me
afinou o alento. Em pouco tempo, de enfiada, mais cinco páginas. Adição feita,
tinha portanto doze páginas. Uma boa dose, sem dúvida. O editor havia-me
pedido página e meia, e eu,
distraidamente, estava a caminho de um livro. Era necessário estreitar as
demasias da esticadela. Foi o que fiz.
Comecei por eliminar os lugares-comuns. Eram
bastantes. Seguiram-se os apelos e os conselhos aos nossos dirigentes – também
muitos. Sete páginas ainda. As explicações da inexplicável politicada deste
governo, as inevitáveis comparações com
a política de outras nações: também foram contempladas com várias linhas de
grafite. Riscos, riscos. Riscos igualmente sobre as piadas em relação a alguns
ministros, riscos sobre a criticaria a todos os governantes. Três páginas
ainda.
Repentinamente
uma dúvida abalroa-me o decurso da
labuta redaccional: como abordar em página e meia um bestiário tão imenso? Um
grito com notas de madeira retumbou nos meus ouvidos. Na origem do estampido um
valente murro que pousei na minha mesa de trabalho. Chiça! Não tenho a mínima
aptidão para sínteses, sobretudo quando
se trata de parricidas, os assassinos da própria pátria, minha também.
Aborrecido, rasguei duas páginas e apenas poupei a primeira que havia escrito.
Li-a, reli-a. De súbito ocorreu-me que a cáfila em causa não merecia uma dúzia de linhas. Irritado,
risquei, risquei. Parti o bico do lápis. Durante alguns instantes dei-me por
satisfeito. Tal satisfação, no entanto, foi de curtíssima duração. Escrever uma
dúzia de linhas sobre o carrasco do nosso país é atribuir-lhe importância. Recusei-me,
recusei-me a escrever um tão grande número de palavras sobre quem é tão pouco. Uma
linha, uma linha basta. Irra!, mas numa linha não cabe a infinidade de
besteiras perpetradas pelos nossos governantes, o futuro besta que nos espera.
Ignominiosos
governantes, crápulas, que até a elaboração de um artigo prejudicais. Por
razões obviíssimas e perfeitamente compreensíveis e justificáveis, um exaltado impulso vindo do âmago da minha
repulsa accionou na minha mioleira uma vigorosa veneta. Zás! Rasurei também a derradeira frase. Assim dei
por concluído o artigo. Das doze páginas iniciais conservei apenas o título: Puta que os pariu, um título que, embora
seja avesso a sínteses, como referi, conterá certamente grande parte do
conteúdo que eliminei.
Depois
de converter para formato digital o atribulado artigo, imediatamente o fiz
chegar por correio electrónico à redacção do jornal. A resposta, estranhamente,
não surgiu. O jornal saiu, corri-o de uma ponta à outra – nada. O artigo não
foi publicado.
Intrigado,
desiludido, zangado, decidi pedir esclarecimentos ao editor. Passaram já duas
semanas e até ao momento ainda não recebi resposta alguma.
Um
jornal despolitizado? Imparcial? Ah! Puta que os pariu também.
dinismoura
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