sábado, 12 de outubro de 2013

Isto de ser português



(Somos tanto, e tão intensamente,
que quase não somos ninguém)


Isto de nascermos num país constantemente às cambalhotas e em vertiginosos rodopios é atordoante. Isto de crescermos num país onde nos exigem mil e uma licenças para podermos viver com a mínima dignidade é indigno. Isto de envelhecermos num país onde nos tiram a bengala e no-la trocam por uma palha é tirânico. Isto de aturarmos  governos que diariamente abrem em cada avenida, rua, praça e esquina uma filial do Inferno é infernal. Isto de aturarmos governos que nos demitem dos nossos sonhos é um pesadelo. Isto de suportarmos um presente pesando toneladas de desespero é insuportável. Isto de nos vedarem permanentemente todos os caminhos em direcção ao futuro é desumano. Isto de vivermos num país onde nos foi penhorada a alegria é muitíssimo triste.
Isto de ser português não é para qualquer um: é necessário ser-se corajoso, forte, indolente, ter-se arcabouço, é necessário ser-se feito da mesma carne de que são feitos os mártires.
Isto de ser português é para poucos, muito poucos: é necessário ter-se amor à camisola, conhecer todos os cantos à dor.
Isto de ser português é não é nada fácil: é necessário ter-se em dia todos os tipos de vacinas, é necessário ter-se pernas e pulmões que aguentem diariamente maratonas  que ultrapassam em muito os quarenta e um quilómetros de suor e lágrimas.  
Isto de ser português é passar em todas as horas as passas do Algarve, é comer às refeições o diabólico pão que o diabo amassou e beber o vinho cujas uvas o irmão dele pisou, é viver com duas cordas ao pescoço, é quebrar ininterruptamente o lápis de quem insistentemente quer riscar-nos do mapa, é viver desarmado até aos dentes, é estar irremediavelmente feito ao bife.
Isto de ser português é tão custoso, é tão aflitivo, santo Deus!
Dentre os mais de seis biliões de seres humanos que por aqui andam, somente 0,14% destes tem envergadura para carregar este pesadíssimo fardo que é isto de ser português.  
Isto de ser português é árduo, extenuante, degenerativo, é não poder fugir.
Isto de ser português é duro, complicado, tenebroso, atroz, é anátema e calvário.
Isto de ser português é nefasto, doloroso e medonho, mas sobretudo é aterrador, perigoso, horrendo, é angústia e prisão.
Isto de ser português não é pêra doce, é um fruto amarguíssimo e duríssimo de roer.
Isto de ser português é cumprir uma pena perpétua de existência forçada.
Isto de ser português é morrer todos os dias por sê-lo e fatalmente todos os dias reencarnar no próprio corpo.
Isto de ser português é querer ser só e somente português e nada mais além disso.
Isto de ser português é o cabo das tormentas, é ter de aguentar o paroxismo de todas estas e outras dores.
Isto de ser português é ter esta sentença a arder para toda a vida dentro do sangue.
Isto de ser português é levar, todos os dias, durante toda uma vivência, uma escaqueirante porrada com tudo isto.
Isto de ser português… Isto de ser português é não ter outra escolha senão esta.



dinismoura

(Publicado originalmente no no sítio bomdia.lu)

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